"Peixes que voam, cavalos que mergulham, pessoas com pinta e uma estrada com vida. Luís Octávio Costa dançou tarraxinha, brincou aos piratas, perdeu-se, desconcentrou-se, respirou fundo. E depois acordou
Para encontrar São Tome no mapa também é preciso optar entre dois comprimidos (Mephaquine ou Malarone, venha o diabo e escolha), encolher para passar por uma toca (aeroporto?) e seguir as dicas de um local, que só não é um coelho branco porque
São Tomé é o país imaginário onde chove sempre à hora marcada (às cinco em ponto), onde os lugares mais inóspitos têm nomes de sentimentos (Fraternidade, Esperança, Perseverança, Solidariedade, Ilusão, Caridade e Saudade), as pessoas têm nomes de descobridores, os frutos não têm nome de frutos e as plantas, com nomes de coisas, têm que vir com o respectivo manual de instruções.
O país é como a sala de cinema que ganhou o nome do poeta Marcelo da Veiga: é único e só funciona às vezes e à velocidade do arranca-não-arranca. Leve-leve. É como um maço de dobras (moeda local) que ameaça desintegrar-se de tão velho e cansado. É um país tão valioso e tão abandonado como as peças que compõe o museu da Fortaleza de S. Sebastião, a ventoinha manual, o serviço inglês, o Rafael Bordalho Pinheiro, os instrumentos de vudu…
Como em qualquer conto de fadas, também São Tomé tem as suas pragas medonhas. Uma é a malária, que vitimiza indiscriminadamente e afasta do arquipélago investidores e turistas. A outra é a sida, para a qual, como antídoto, não há mais do que algumas pinturas murais e preservativos gratuitos nos locais mais civilizados da ilha. A terceira é a corrupção, que delapida os recursos de todos em nome de uns poucos.
Na Roça Rio do Ouro, José Francisco – “Equador”, de Miguel Sousa Tavares, bem preso debaixo do braço enquanto recorda as visitas de estudo da Mocidade Portuguesa – descreve a sua terra como “um verde muito complicado”, um santuário que os portugueses descobriram (ao que se julga) inabitado em 1470-71 e que só largaram a 12 de Julho de 1975, após uma longa historia de colonização. José Francisco é um dos muitos que encolhe os ombros quando se fala de São Tome na sua versão galinha dos ovos de ouro: fértil primeiro; depois esventrada.
À vista, destapadas, ficaram as roças, autênticos castelos com vista privilegiada sobre o Atlântico, assim como a resistente língua portuguesa e a arquitectura colonial, maltratada como uma bola de trapos, como os destroços na baía a que foi dado o nome da fazendeira Ana Chaves.
Descobrir São Tome ainda é perder-se
São Tomé é como o vinho de palma a fermentar numa garrafa de plástico cravada numa palmeira: de manha é doce, agora é forte. É com a relva, curta e fofa. É como o Palácio do Orgulho, como a grade das sanzalas a anunciar as roças. É um puzzle tão grande como o dos quilos de roupa a corar na berma da estrada. É como percorrer as prateleiras do supermercado à luz de uma lanterna. É como envergonhar a folha “não-me-toques” ou descobrir o segredo da árvore das patacas. É confundir as flores com as cortinas rosa choque das barracas. São as fontes a cada cem metros, as petisqueiras a cada cinquenta, os caçadores de macacos e morcegos e a lagoa que engoliu a Amélia, perdida de amores. É negociar uma moto vermelha cromada e estimada para dar a volta à ilha (“400 mil, 300 mil, ok agora a serio”), reabastecer nas Almas, traçar o percurso Loja das Maravilhas-Pneus de Ocasião-Quinta Amor ao Trabalho. È descer a avenida das Nações Unidas, virar à esquerda na Independência e espreguiçar-se na praia de Micondo. É terminar o dia sem saber bem o que significa “stress kê kua”. E despedir-se do Albertino com um cumprimento longo e secreto."
2 comentários:
teresa, está muito bom. Foste tu que escreveste? Adorei! Vou adoptar quando quiser reordar/falar de São Tomé.
raquel
Não fui eu que escrevi, estava publicado numa revista e achei piada, porque nesse mesmo dia estava a publicar um texto sobre para São Tomé..
O texto está muito bom..
Obrigada pela visita!
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