Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdido entre a gente, Nem morro, nem tenho vida.
Glosa
Depois que meu cruel Fado
Derrubou uma esperança,
Em que me vi levantado,
No mal fiquei sem mudança,
E do bem desconfiado:
O coração que isto sente,
À sua dor não resiste,
Porque vê mui claramente
Que, pois nasci para triste,
Já não posso ser contente.
Por isso, contentamentos,
Fugi de quem vos despreza.
Já fiz outros fundamentos;
Já fiz, Senhora, a tristeza
De todos meus pensamentos.
O menos que lhe entreguei
Foi esta cansada vida:
Cuido que nisso acertei,
Porque de quanto esperei
Tenho a esperança perdida.
Gostos de mudança cheios,
Não me busqueis, não vos quero;
Tenho-vos por tão alheios,
Que do bem, que não espero,
Inda me cansam receios:
De vós desejo esconder-me,
E de mim, principalmente,
Onde ninguém possa ver-me;
Que, pois me ganho em perder-me,
Ando perdido entre a gente.
Acabar-me de perder
Fora já muito melhor,
Por acabar uma dor
Que, não podendo mor ser,
Cada vez a sinto mor...
Em tormento tão esquivo,
Em pena tão sem medida,
Que morra, tão sem medida,
Que morra, ninguém duvida;
Mas eu, se morro ou se vivo,
Nem morro, nem tenho vida.
Voltas
Prazeres que tenho visto
Onde se foram, que é deles?
Fora-se a vida com eles,
Não me vira agora nisto...
Vejo-me andar entre a gente
Como coisa esquecida:
Eu triste, outrem contente;
Eu sem vida, outrem com vida.
Vieram os desenganos,
Acabaram os receios;
Agora choro meus danos,
E mais choro bens alheios...
Passou o tempo contente,
E passou tão de corrida,
Que me deixou entre a gente
Sem esperança de vida. |